Escrevo mais amargura que alegria?
É possível
Sempre que o que sinto assim o é
Não sei escever "alegrias de encomenda"
Cada palavra é arrancada de mim
E carrega em si tanto quanto o que sou
Sei descrever sorrisos e o som das cantigas
Sei contar risos e dizer o colorido das flores
Sei narrar gargalhadas e apagar sombras
Sei escrever
A L E G R I A
ou
F E L I C I D A D E
Porque também as sei sentir
Mas mais depressa visto o que não sinto, do que escrevo o que não sou
Porque a palavra, a palavra escrita, perdura e ecoa
Numa leitura que nos fotografa e emoldura para sempre
Por isso, talvez o que escrevo seja triste
Ou mostre mais ansiedade do que felicidade
Na verdade, nada posso alterar
Escrevo com tudo o que sou
Só posso escrever o que é meu
Liliana Lima
Não cantes alegrias a fingir
Se alguma dor existir
A roer dentro da toca
Deixa a tristeza sair
Pois só se aprende a sorrir
Com a verdade na boca
Quem canta uma alegria que não tem
Não conta nada a ninguém
Fala verdade a mentir
Cada alegria que inventas
Mata a verdade que tentas
Pois e tentar a fingir
Não cantes alegrias de encomenda
Que a vida não se remenda
Com morte que não morreu
Canta da cabeça aos pés
Canta com aquilo que és
Só podes dar o que é teu
José Mário Branco
in Ser Solidário 1982