A caminho de minha casa passo pelos pomares da, tão conhecida, Pêra Rocha do Oeste. Entrelaçam-se com as Maçâs de Alcobaça e outras culturas sazonais como couves, abóboras, milho e algumas vinhas (de que desconheço o nome), mas quem se destaca são, sem dúvida, as pereiras.
Haverá, de certo, outros caminhos. Possivelmente mais rápidos, mais bonitos ou mais suaves, mas talvez porque "tortuosos são os caminhos do Senhor" acabo sempre por fazer o mesmo percurso.
Para uma moça da cidade o campo é um manancial de descobertas. Para mim em especial, este caminho transformou-se numa incessantemente fértil nascente de estabilidade. Encontrei, no percorrer da estrada que vagueia por entre os pomares, um apaziguante diálogo entre a minha instabilidade interna e a constância das próprias pereiras.
Conheci-as no Inverno, de troncos podados e formas rudes. Passava ao largo e estranhava aquele desfile do que me pareciam personagens saídas duma história de terror infantil. Ainda não sabia, sequer, que eram pereiras... Lembro que sou uma rapariga urbana (tipo os autocarros) para quem as pêras sempre tiveram um único propósito, acabar bêbedas, numa taça de vidro duma qualquer mesa de aniversário ou Natal.
Depois veio a Primavera e o verde nasceu claro, em tímidos tufos aqui e ali, até vestir por completo os corpos castanhos e os decorar com flores alegres. Acompanhei, entusiasmada, o nascimento de pequenos frutos que se fizeram pêras. Até serem, bruscamente, apanhadas e levadas em enormes caixas para todas redes de supermercados, no Verão.
Nessa altura, a minha relação com este minúsculo pedaço de natureza, já me tornara numa quase perita em pêras (passo a quase redundância). Costumava dizer, em jeito de brincadeira, ao chegar ao corredor das frutas "Olha ali a Aninha e a Manuelinha tão crescidas!" E entendia a mágoa das pereiras quando, indo ou voltando de casa, as via conformadamente sós esperando o Outono...
No final das férias, os verdes escureceram e assisti, árvore-a-árvore, ao desfolhar do pomar, numa espécie de nevão Outonal que não me inspirou mágoa ou tristeza, apenas uma certa melancolia de fim-tarde de Setembro.
Quando cheguei novamente ao Inverno, os troncos podados e escuros já não pareceram seres estranhos ou assustadores. Todo o percurso tornou-se numa tranquila certeza de constância, num absoluto e permanente equilíbrio que, dentro de mim jamais seria capaz de encontrar.
A caminho de minha casa passo pelos pomares da, tão conhecida, Pêra Rocha do Oeste. Esta estrada, que não é feita de tijolos amarelos, tornou-se num certo ritual de descida à terra, ao ritmo certo das coisas, ao tempo natural e ao espaço onde este silencioso diálogo entre a minha instabilidade interna e a previsibilidade das próprias pêras que se torna, ele próprio, tão profunda e previsívelmente apaziguador.
Liliana Lima